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Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana

MOURA, G. Tio
Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana
. São Paulo:
Brasiliense, 1984.
Atualmente a cultura brasileira pode ser
visto como um misto entre o que se produz aqui e fora do país. O estrangeirismo
e suas marcas foram incorporados à vida no Brasil há muito tempo. O que o livro
de Gerson Moura faz é lançar um olhar justamente sobre quando e por que a
cultura norte-americana chega ou invade o nosso país propagando o “american way of life”. Contudo, esse
padrão de influencia cultural esconde propósitos políticos daquele memento e
para o futuro, além de se dar em uma via de mão dupla, porém com um fluxo muito
maior de lá pra cá.
No cenário internacional, o período que
antecede a Segunda Guerra Mundial se desenvolve num ambiente de depressão
econômica e o surgimento de governos ultranacionalistas e regimes ditatoriais
que se propõem a resolver as questões sociais e econômicas de seus territórios.
Uma fase marcada por protecionismos, diminuição do comércio internacional e
reforço de laços imperiais das potências europeias. O Brasil de Getúlio Vargas
estreitava relações com a Alemanha por meio do comércio de compensação, trocas de produtos sem a necessidade do
uso da libra ou do dólar como moeda intermediadora. O país europeu ainda
propagava sua ideologia nazista por meio da propaganda para criar simpatia à
causa.
Todo este quadro de proximidade entre
Brasil e Alemanha preocupava os Estados Unidos que vinha de uma política mais
dura com a sua vizinhança americana, fruto da política conhecida como big stick, que foi a forma como o país
interviram na região do Caribe e demais países sob comando do presidente
Theodore Roosevelt. No final da década de 1920 os governos latino-americanos
começam a propagar as ideias de autodeterminação dos povos e valorizam a
não-intervenção de outros países em suas políticas. Neste quadro de relativo
afastamento, Franklin D. Roosevelt, eleito presidente dos Estados Unidos em
1933 inicia uma política de boa
vizinhança
. No lugar do caráter mais intervencionista e autoritário do
Roosevelt anterior, esse novo governo começa a planejar uma interferência
velada, por vias da comunicação, ideologia e da cultura. Um dos objetivos
claros dessa política era cortar as relações da América Latina com a Alemanha.
Os países do continente eram peça chave no neocolonialismo que acontecia com a
Segunda Guerra Mundial e vendo sob esta ótica, a atuação dos norte-americanos
sobre nossa região não deixa de ser uma competição pela conquista do território
por meio da política e da dominação das mentes e corações e não por meios
bélicos.
O meio desenvolvido para os
norte-americanos entrar nessa briga foi a criação de um Birô em 16 de agosto de
1940, o Office of the Coordinator of
Inter-American Affairs.
Seus objetivos eram enfrentar as influências do
Eixo nos países americanos e consolidar a posição de grande potência dos
Estados Unidos. Estava em questão aí a segurança da nação e a posição econômica
norte-americanas. No plano econômico, o Birô atuou para garantir suprimentos
para os Estados Unidos e diminuir o fornecimento de matérias primas para a
Alemanha por meio da compra de excedentes de produção e de materiais
estratégicos da América Latina. Além disso, atuou sobre a saúde, a nutrição e a
comunicação em seus países vizinhos. Segundo Moura, o Birô tinha quatro
divisões: comunicação, relações culturais, saúde e comercial/financeira. Tentava
se vender a ideia de democracia para uma América Latina marcada por ditaduras,
portanto este era um produto sem muita aceitação no mercado. No lugar disso, o
Birô pensou em interesses em comum, formulando a ideia de pan-americanismo.
“uma realidade fundada em ideais comuns
de organização republicana, na aceitação da democracia como um ideal, na defesa
da liberdade e dignidade do indivíduo, na crença na solução pacífica das
disputas e na adesão aos princípios de soberania nacional” (MOURA: 1984, p.
24).
A questão do Brasil neste programa de
influências norte-americana era chave devida a sua posição geográfica e
política que afetava a posição de vários outros países desta parte do
continente. Além disso, nosso país fornecia materiais essenciais para o esforço
de guerra como borracha, manganês, minério de ferro, cristais de quartzo,
areias monazíticas, óleos vegetais e plantas medicinais.
Das divisões do Birô, a que mais se
destaca por sua atuação e influência foi a divisão de informações. Esta foi uma
das áreas de atuação no Brasil, junto dos esforços na saúde e de alimentação.
Estas duas tiveram propósitos em comum. Devido ao interesse de estabelecer
bases militares no Brasil, era necessário garantir condições mínimas de
sobrevivência para os soldados norte-americanos em solo amazônico. Neste
sentido o objetivo era claro e usava, para tanto, os projetos de controle da
malária, assistência médica a trabalhadores, treinamento de médicos e
enfermeiras, melhoramentos das condições sanitárias por um lado a questão da
saúde, e por outro o da alimentação por meio do auxilio no suprimento de
alimentos prejudicados pelos problemas da guerra, fornecimento da técnica para
a solução dos problemas agrícolas e nutricionais e o fortalecimento de um
espírito de boa vontade por meio de programa agrícola cooperativo. Além da
questão militar, esses benefícios incentivados também olhavam para a
“batalha da borracha” e para a extração de minérios, ou seja, também
garantia o suprimento para os esforços de guerra.
No campo da informação, o Birô
disseminou a penetração cultural em cinco seções: imprensa, rádio, filmes,
análises de opinião pública e ciência/educação. Por meio da imprensa os Estados Unidos conseguiram
uma disseminação de notícias favoráveis ao governo norte-americano com o uso
das suas melhores agências de notícia, a United Press e Associated Press.
“O trabalho do Birô Interamericano no
Brasil se revestia, portanto, de um aspecto político vital: era necessário
ganhar corações e mentes dos líderes políticos e militares brasileiros, sem
cuja cooperação os planos estratégicos dos Estados Unidos iriam por água
abaixo” (MOURA: 1984, p. 31)
Além das notícias, essa seção também
atuava com subsídios aos jornais e revistas brasileiros, incentivos de anúncios
de empresas norte americanas nos meios de comunicação daqui e criação e
distribuição de folhetos. Além da cultura, esta ação também tinha como
finalidade “assegurar uma reserva de mercado no continente para o pós-guerra”
(p. 35). Na área cinema, a
orientação era evitar a divulgação de filmes que ridicularizassem ou
questionassem qualquer instituição norte-americana ou os países latino
americanos. Nesta época os bandidos deixaram de ser os mexicanos. Havia
intercãmbio e visitas de artistas entre os países. Artistas norte-americanos
divulgavam a sétima arte por aqui, e artistas brasileiros, temperados para o
sabor dos Estados Unidos, divulgavam a cultura tupiniquim na terra do Tio Sam.
Também foram investidos esforços nos documentários
que reforçavam a ideia de superioridade e poderio bélico norte americano e a
natureza e a produção de bens primários latino americanos. No rádio eram produzidos programas da
perspectiva da guerra psicológica do governo americano e era dirigido por
especialistas de propaganda. Foi elaborada uma rede informativa com adesão de
várias rádios da América Latina divulgando notícias e opiniões pró-Estados
Unidos. Já na ciência e educação,
foram feitos programas de assistência e intercâmbio entre os países. Moura
observa que essa toca de conhecimentos se dava da seguinte forma: especialistas
norte-americanos vinham até o Brasil ensinar e os estudiosos brasileiros iam
até os Estados Unidos aprender – uma mão de via única também, portanto.
“A informação, divulgada e controlada
pelo Birô, visava não só ganhar a batalha ideológica contra o fascismo (o
alemão, em particular), como também afirmar um liberalismo específico, modelar,
por ele mesmo chamado de ‘American way of
life
’”(p. 52).
Preocupados com a possível limitação da
capacidade de exportar dos países latino americanos, os Estados Unidos propõem
remédios bilaterais e multilaterais. Estes foram oferecidos por meio do
organismo continental Inter-American
Development Comission
(IADC) que, por meio de estudos e planos, objetivava:
1) estimular e aumentar as exportações para os Estados Unidos; 2) estimular o
comércio entre os países americanos; 3) encorajar a indústria nestes países,
não a indústria pesada, mas sim a de bens básicos, bens de consumo. Moura
ressalta que investimentos pesados não estavam nos planos do Tio Sam, mas a
conquista de financiamento para Volta Redonda foi um ganho da posição de
barganha privilegiada de Vargas.
“Tratava-se de um padrão de
industrialização estritamente subordinada aos interesses econômicos americanos,
reproduzindo em outro nível a velha complementaridade assimétrica” (MOURA:
1984, p. 62)
Já os remédios bilaterais davam conta de
implementar o suprimento de matérias-primas, expandir os sistemas de
transportes e ampliar a assistência financeira.
“Diante dessa tentativa de ‘intervenção
cirúrgica’, os representantes de Londres no Rio concluíram que os americanos
queriam fazer uma ‘limpeza na área’ com a finalidade de estabelecer para si
mesmos um domínio comercial tranquilo após a guerra” (MOURA: 1984, p. 66) –
A atividade gerava uma acumulação de
poder de compra, demanda acumulada. O Birô trabalhava no sentido de desenvolver
um mercado que teria papel importante na manutenção do emprego e da renda da
economia norte americana.
As atividades do Birô terminam em 1946,
mas as influências norte americanas sobre o Brasil precisavam ser mantidas por
meio dos noticiários jornalísticos. Com o governo Dutra vieram posições
internas de anticomunismo identificadas com o combate a esses ideais pelos
Estados Unidos. A nova orientação para o comércio internacional estabelecida em
Bretton Woods tornou-se um dogma do governo brasileiro e reforçou-se a
necessidade de exportação de bens primários e importação de bens manufaturados
– uma medida que esgotou as divisas acumuladas pelo Brasil. Os Estados Unidos
continuou preocupados com a educação dos brasileiros e incentivou programas de
educação rural, para dar conta do problema agrário brasileiro para direcionar
esse setor para uma competição lucrativa. No cenário de pós-guerra, o Plano
Marshal dedicava grande atenção à reconstrução da Europa, mas também olhava
para a América Latina pelo programa conhecido como Ponto 4, que se propunha a fornecer programas de assistência
técnica e desenvolver a exploração de matérias primas nas áreas atrasadas. Já o
foco nos países europeus era o reerguimento industrial, como contrapõe Moura.

No campo da informação, um mundo liberal
e contrário à cortina de ferro socialista foi disseminado e abafava vozes
distoantes deste discurso imposto pelos Estados Unidos. Havia, contudo, uma
oposição brasileira por meio da música popular e também pro meio do movimento
“O Petróleo é nosso” que foi contra um projeto de lei encaminhado pelo governo
para o Congresso que permitiria presença de capital estrangeiro no refino e
transporte de petróleo.

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