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Rumo à industrialização e à nova forma do Estado brasileiro

DRAIBE,
S. Rumos e Metamorfoses. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. Cap 1
O governo Vargas representou a
construção de um aparelho econômico do Estado que centralizou poderes. A partir
de 1930 o esforço foi de canalizar interesses sociais difusos em um interesse
nacional bem definido. Até 1945, a construção desse Estado centralizador contou
com criação de órgãos e instituições que comandavam as aplicações de recursos e
os caminhos das políticas econômicas determinadas pelo governo objetivando o
avanço da acumulação capitalista industrial.
Um dos órgãos que centralizou poderes e
decisões foi o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp). No
intuito de modernizar o serviço público, o Dasp serviria não só para definir e
controlar a carreira do servidor público, mas também extrapolava suas funções
atuando como regulador legislativo principalmente no nível dos estados por meio
de vetos aos planejamentos dos interventores. Conforme cita Draibe, os
objetivos do Dasp eram também de tornar mais racional e meritocrática a seleção
de novos servidores, porém pouco se conseguiu acabar com o favoritismo
político, a patronagem e o clientelismo enraizados na cultura brasileira.
No plano do crédito e do câmbio, Vargas
criou em 1945 a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc). Até essa data,
o Banco do Brasil era responsável pela administração das duas variáveis,
principalmente depois da crise de 1930 que colocou nas mãos do banco público a
questão do câmbio. Além disso, grande parte dos investimentos na área
industrial e agrária na década de 1930 contaram com o suporte do Banco do
Brasil. A Sumoc veio a somar e se tornar um mecanismo de regulação
monetário-creditícia. Ela tinha entre suas funções a capacidade de “requerer
emissão de papel-moeda para o Tesouro; controlar e receber com exclusividade
depósitos dos bancos, pelo Banco do Brasil, delimitar taxas de juros dos
bancos; fixar as taxas de redesconto e juros de empréstimos aos bancos
comerciais; autorizar a compra e venda de ouro e cambiais; orientar a política
cambial, etc.” (p. 78). O assunto crédito mereceu também especial atenção na
década de 1930 e primeira parte da de 1940 com criação da Carteira de Crédito
Agrícola e Industrial do Banco do Brasil (1937), do Banco  de Crédito da Borracha (1942), das Comissões
de Financiamento da Produção (1943) e de investimento (1944) e também da
Carteira de Exportações e Importações (Cexim, em 1941) do Banco do Brasil que
concedia incentivos para exportadores.
Além de apenas crédito, o governo criava
políticas nacionais para fomento de ramos de produção e comercialização. São
exemplos o Departamento Nacional do Café (1933), o Instituto Nacional do Açúcar
e do Álcool (1933), institutos nacionais do Mate (1938), do Pinho (1941), do
Sal (1941), do Cacau da Bahia (1931), Departamento Nacional da Produção Mineral
(1934), Conselho Nacional do Petróleo (1934), Conselho de Águas e Energia
Elétrica (1939), Conselho Nacional de Minas e Metalurgia (1940) e, finalmente,
no campo da industrialização, foram criadas as comissões Executiva do Plano
Siderúrgico Nacional (1940), Executiva Têxtil (1942), Nacional de Combustíveis
e Lubrificantes (1941), Nacional de Ferrovias (1941), Vale do Rio Doce (1942),
da Indústria de Material Elétrico (1944), etc. Todas essas entidades
representam a corporificação dentro do Estado da regulação da acumulação
capitalista. As relações intercapitalistas só aconteciam quando estavam dentro
destes organismos.
A centralização de Vargas também gerou o
Conselho Técnico de Economia e Finanças (CTEF), em 1937, que estudar o sistema
monetário, dívida pública e a política cambial por exemplo. Tinha-se a intenção
de criar um Conselho de Economia Nacional naquele mesmo ano com funções como
elaboração de estudos para incrementar e aperfeiçoar a produção nacional, mas
este nunca saiu do papel.  No entanto, no
contexto da Segunda Guerra Mundial, órgãos com a mesma roupagem foram criados,
como a Coordenação da Mobilização Econômica (1942) e os conselhos de Política
Industrial e Comercial e de Planejamento Econômico, ambos em 1944.
A ação regulatória do Estado atingiu seu
nível máximo no campo do mercado de trabalho. Com um caráter tutelar, o governo
de Vargas criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1931, e, por
meio de suas políticas, estatizou a luta econômica de classes usando de suas
políticas de benefícios trabalhistas aliados ao extermínio de representações
sindicais de esquerda conseguiu subordinar aos seus poderes o controle da massa
de trabalhadores.
“O Estado criou uma base jurídica
institucional para o funcionamento e integração do mercado de trabalho, e
também organizou, sob sua tutela, o
próprio sistema de representação classista, levando a extremos econômicos e
sociais a sua ação regulatória e intervencionista” (p. 82).
“No que tange à extensão da ‘autoridade’
e à centralização de dispositivos de controle sobre a ‘realidade nacional’, a
criação de um sistema nacional de estatística foi passo importante, conferindo
maior consistência ao monipólio da informação por parte do Executivo Federal e,
ao mesmo tempo, oferecendo subsídios à elaboração das políticas econômicas” (p.
85)
“Ai final do período em análise, o
organismo econômico do Estado e seus dispositivos legais atuavam sobre os
mecanismos fundamentais da economia capitalista: os salários, o câmbio, os
juros e o crédito. Estavam determinados, pois, por meio do aparelho econômico e
das ‘políticas’ do Estado, os condicionantes gerais da acumulação capitalista”
(p. 86)
Enquanto o Brasil passava pela fase da
industrialização restringida amadurecia também o projeto da industrialização
pesada. Esse foi um período que observou a industrialização adquirindo a
liderança e um papel dinâmico na economia além de provocar mudança na estrutura
produtiva. O setor leve de bens de produção assume o comando da acumulação
capitalista no Brasil graças aos incentivos que o governo concedeu à indústria
como novas políticas de crédito, proteções tarifárias e abolição de impostos
interestaduais, por exemplo. O projeto de desenvolver uma indústria pesada
correspondia aos anseios da elite dirigente de se inserir na divisão
internacional do trabalho, havia, porém, forças políticas favoráveis e
contrárias a este processo, além da dificuldade de investimentos em
infraestrutura e na indústria básica.
O governo de Vargas começa, então, a
criar e estruturar uma série de planos e conselhos a fim de estudar a economia
brasileira e orientar os investimentos. A Dasp, por exemplo, estipula uma
porcentagem dos gastos no governo, sob a forma de um “orçamento especial” para
investimentos públicos em 1939. A fonte seria taxas de operações cambiais,
lucros sobre operações bancárias e vendas de obrigações do Tesouro Nacional.
Grande parte dos investimentos foi para a área militar, principalmente por
conta do contexto da Segunda Guerra Mundial.
Além do Dasp, outros agrupamentos foram
surgindo com o intuito de centralizar as decisões de planificação e
desenvolvimento econômicos. Durante um período, os conselhos Federal de
Comércio Exterior (CFCE) e Técnico de Economia e Finanças (CTEF) atuam em
estudos e planejamentos, mas a falta de estrutura não possibilitava uma atuação
mais geral e efetiva para as necessidades daquela época. Surge também a Missão
Cooke, fruto de uma necessidade de planejamento para os esforços da guerra,
trabalha em estudos para a internalização da produção de insumos e equipamentos
para modernizar a indústria brasileira. Também no contexto da guerra, surge em
1942 a Comissão de Mobilização Econômica, que aumenta a intervenção estatal na
economia.
O governo segue com criações de
comissões e conselhos com os intuitos de se chegar a órgãos para discutir e
coordenar as decisões de investimento. Eles foram, como aponta Draibe, um dos
mecanismos usados por Vargas para contornar a resistência à intervenção estatal
uma vez que propiciava um canal direto com o setor privado abrindo a
participação deste setor nas tomadas de decisões e estabelecimento de
prioridades e controles. Contudo, o governo esbarra nos problemas fiscais e
financeiros para provir recursos para a industrialização. São propostas saídas
como novas alíquotas do Imposto de Renda e tacas sobre os Lucros
Extraordinários das empresas, além da criação de fundos para fornecer recursos
a diversos setores. As alternativas para os problemas com as bases fiscais
estava na forma como as empresas da indústria pesada seriam financiadas. Duas
linhas se contrapunham:  criação de uma
sociedade autônoma para fornecer os recursos ou a estruturação do setor pesado
por meio de empresas estatais. A solução mescla as duas alternativas, e são
criadas empresas públicas dos setores de ferro e aço, energia elétrica e
química pesada por meio de alianças com o capital estrangeiro.
“(…) pode-se dizer que novos, efetivamente, foram os órgãos
criados, inéditos foram os
instrumentos institucionais de que passou a dispor o poder centralizado, inovadores foram as formas e tipos de
regulação e controle que caracterizaram, agora, armação econômica estatal” (p.
109)
A questão central, portanto, passa pelo
papel importante que o Estado teve no desenvolvimento de um estado capitalista
por meio de seu papel centralizador e ativo. O governo Vargas teve em suas mãos
a capacidade de interferir em todos os preços fundamentais da economia ao
controlar a moeda e o crédito, o comércio exterior, os salários e a gestão da
força de trabalho e também tinha uma estrutura tributária em transformação.  O governo marca não só uma complementação da
indústria, mas também um alto grau de descontinuidade com a estrutura anterior
à década de 1930. Seu intervencionismo, contudo, tem uma dupla face. De um lado
profundo e abrangente por conta das formas como se pensou a industrialização
por meio de órgãos, conselhos e comissões que centralizavam as decisões e os
recursos para o desenvolvimento. E também limitado tanto por conta da base
fiscal para a industrialização quanto por conta dos conflitos políticos que
estavam no seio do governo e contrapunham ainda uma burguesia exportadora
contrária à indústria e ao intervencionismo e uma fraca parcela com mentalidade
industrial e a favor da autonomia estatal e do progresso social.

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