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Resenha: CARNEIRO, R. Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no último quarto do século XX. (Cap 4)

CARNEIRO, R. Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no último quarto do
século XX
. São Paulo: UNESP/IE-UNICAMP, Cap. 4, 2002.
A década de 1980, em relação aos anos
anteriores, marca uma mudança no ciclo econômico e no dinamismo da moderna
industrialização que vinha ocorrendo desde os anos 1930, e em particular a
partir de 1950. São dois lados, separados em dois períodos diferentes: intenso
crescimento no período do “Milagre Econômico”, de 1970 a 1973, e um período de
desaceleração entre 1974 e 1980 que segue com taxas de crescimento, mas apenas
próximas ao crescimento da população alternando com momentos de breves
recessões. No que se refere ao investimento, a década é marcada por profunda
incerteza e ausência de um padrão de crescimento sustentado. “A drástica
redução do crescimento, a estagnação do produto per capta, a regressão do investimento e a transferência de
recursos reais ao exterior são, assim, os pontos de destaque numa
caracterização da década de 1980” (Carneiro: 2002, p. 140). De todos os pontos,
o autor apresenta as relações e o saldo com o exterior um fator primordial por
criar constrangimento ao desenvolvimento da economia nacional dada a
transferência de recursos reais para servir a dívida externa.
Há três interpretações distintas para o
desempenho econômico desfavorável da década de 1980. O primeiro aponta a
incompatibilidade entre o crescimento interno e as obrigações com a dívida
externa. A melhora da distribuição da renda interna, por mais que desejada,
esbarrava na obrigação com o serviço da divida. Há aí uma inconsistência
temporal entre a melhora das exportações e a remessa de recursos para o
exterior. Para se melhorar o saldo da balança comercial brasileira seria
necessário uma renovação tecnológica do parque produtivo nacional, contudo, os
investimentos deveriam se dar em patamares muito elevados para possibilitar
essa via de superação num cenário internacional de aceleração do progresso
técnico.
A segunda interpretação aponta uma
possibilidade de retomada do crescimento a partir de um ajustamento estrutural
da economia. A ideia, defendida pelo então ministro Delfim Netto (1984), era de
que era necessário ampliar o coeficiente de exportação usando uma política
cambial ativa que alteraria os preços relativos provocando redução no
coeficiente de importação e gerando excedente na produção para a exportação. A
estratégia seria elevar os preços na moeda doméstica, reduzindo sua absorção, e
também encarecer os bens importados. Delfim Netto acreditava que os efeitos multiplicadores
das exportações seriam suficientes para dinamizar o mercado interno.
Já a terceira via de pensamento atribuía
às mudanças estruturais provocadas pelo II PND a rápida superação da crise
cambial.  Essa interpretação ressaltava a
ausência de obstáculo externo ao crescimento e apontava ainda que as
transformações provocadas pelo plano de desenvolvimento foram suficientes para
a geração de superávit comercial de natureza estrutural e também para a
superação do subdesenvolvimento.
Sem encontrar um novo padrão de
crescimento, a economia viveu um período de estagnação. Carneiro (2002) aponta
como principais contornos dessa estagnação o crescimento negativo do
investimento, redução da propensão média a consumir e os superávits comerciais.
O grau de instabilidade desse período é marcado por um período de intensa
retração em 1981-1983, expansão nos três anos seguintes (1984-86) e uma nova
retração no último triênio da década. As observações das variações do
investimento e da geração de superávit comercial mostram uma incompatibilidade
entre o aumento das exportações e a capacidade de absorção doméstica. Quedas no
investimento no período recessivo provocavam retração das importações e aumento
nas exportações. O contrário ocorria nos períodos de retomada do crescimento.
Uma das razões da conciliação impossível entre transferências reais ao exterior
e o crescimento sustentado está no mau desempenho do investimento, em especial
na dissociação entre investimento privados e públicos. O setor produtivo
estatal tem desempenho ruim e registra, em todo o período, decréscimo
sistemático nos investimentos. A principal razão desse mau desempenho é a
dependência do setor do financiamento externo, que já se esgotara naquela
década. Já o setor privado não vê horizonte de crescimento dadas as fortes
oscilações cíclicas, mesmo localizados em áreas de infraestrutura e insumos
básicos. Como ressalta o autor, essas informações “atestam a desarticulação do
padrão de desenvolvimento vigente por décadas na economia brasileira, no qual o
investimento público e o do setor produtivo estatal desempenhavam o papel
indutor do investimento privado” (Carneiro: 2002, p. 150).
De forma geral, Carneiro aponta,
sustentado em dados de investimento e consumo, que aquele padrão de
desenvolvimento defendido pela política econômica da época com base no
incentivo ao setor exportador para servir de indutor do crescimento econômico
se mostrou incapaz de se tornar um elemento indutor da dinamização da economia.
Apesar do esforço, o crescimento do mercado interno continuou a dar o caráter
dinâmico da economia e relegou o setor exportador um papel secundário,
complementar. 
Consumo, outra variável também importante
para a economia, também registrou momentos de oscilação. Houve redução na
propensão média a consumir durante o período e fica evidente a capacidade de
detentores da riqueza de se protegerem das oscilações inflacionárias dos preços
convertendo ativos financeiros em bens de consumo duráveis. Tese visível na
baixa correlação entre bens de maior durabilidade com o ciclo econômico.
Famílias de mais alta renda foram responsáveis pelo expressivo crescimento das
vendas de automóveis e materiais de construção, respectivamente nos anos de
1988 e 1989, período de retração da economia.
Há exceções no quadro de estagnação da
economia. São elas os setores que receberam maior incentivo durante o II PND
como celulose, papel e papelão e o setor de metalurgia, além dos setores que já
eram tradicionais na exportação como o setor têxtil, calçados, produtos
alimentares, madeira e couros e peles. Porém, de maneira geral, Carneiro
insiste na tese de que o esforço de orientação exportadora foi insuficiente
para atuar como um elemento dinâmico na economia brasileira. Ademais, o autor
ressalta, mais de uma vez, que a substituição de importações permitiu
“simultâneo aumento das exportações e do superávit comercial, tornando o setor
responsável por cerca de 75% da ampliação total deste último” (Carneiro: 2002,
p. 162).
A tese central do autor neste capítulo
parece coincidir com a defesa que ele faz do período desenvolvimentista e de
substituição de importações, nas décadas anteriores a 1980, em outros textos.
Em seu texto para discussão (número 153), intitulado “Impasses do desenvolvimento brasileiro: a questão produtiva”[1]
, o autor caracteriza o período de 1930 a 1980 como “um período
nacional-desenvolvimentista, de progressiva diversificação da estrutura
produtiva, por meio da industrialização” (p. 2). A leitura complementar ajuda a
enxergar o quão perdida estava a política econômica na década de 1980 que,
acostumada com o financiamento externo principalmente para garantir o
desempenho das estatais, se vê, junto do setor privado, sem um horizonte de
investimento capaz de cumprir com o almejado pelo governo que insistia na potência
dinamizadora das exportações. O que se verá adiante, no período neoliberal, de
forte impedimento do estado como agente econômico orientador dos investimentos
no país, é que a dependência externa a que se coloca o Brasil se mostrou mais
prejudicial à economia dado que num cenário de restrição dos financiamentos
estrangeiros a pseudo-autonomia do desempenho brasileiro se coloca em cheque
uma vez que não é mais capaz de andar com as próprias pernas. A insistência na
orientação exportadora, dadas as variações e oscilações no investimento público
e privado, parece ser, a partir da leitura, uma medida desesperada de retomar
as relações com o capital estrangeiro e recorrer, sem sucesso, às práticas
regulamentadas em manuais em detrimento da continuação do desenvolvimento
interno principalmente nos setores estratégicos e de tecnologia, a exemplo das
economias desenvolvidas e orientais.



[1] CARNEIRO, Ricardo. Impasses do desenvolvimento brasileiro: a
questão produtiva.
Campinas: Unicamp, 2008. Disponível em: <
http://www.eco.unicamp.br/docprod/downarq.php?id=1783&tp=a> Acessado em 28 fev 2014

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