Avançar para o conteúdo
Home » Blog » O Brasil privatizado. Um balanço do desmonte do estado.

O Brasil privatizado. Um balanço do desmonte do estado.

BIONDI, Aloysio.
O Brasil privatizado. Um balanço do
desmonte do estado.
São Paulo : Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.
“Antes de vender as empresas
telefônicas, o governo investiu 21 bilhões de reais no setor, em dois anos e
meio. Vendeu tudo por uma “entrada” de 8,8 bilhões de reais ou menos – porque
financiou metade da “entrada” para grupos brasileiros. Na venda do Banco do
Estado do Rio de Janeiro (Banerj), o “comprador” pagou apenas 330 milhões de
reais e o governo do Rio tomou, antes, um empréstimo dez vezes maior, de 3,3
bilhões de reais, para pagar direitos dos trabalhadores.” (BIONDI, p. 7)
“A Companhia Siderúrgica Nacional
(CSN) foi comprada por 1,05 bilhão de reais, dos quais 1,01 bilhão em “moedas
podres” – vendidas aos “compradores” pelo próprio BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social), financiadas em 12 anos.” (BIONDI, p. 8)
Todos esses desastres já criaram
a convicção de que o famoso processo de privatização no Brasil está cheio de
aberrações. Não foi feito para “beneficiar o consumidor”, a população, e sim
levando em conta os interesses – e a busca de grandes lucros – dos grupos que
“compraram” as estatais, sejam eles brasileiros ou multinacionais. (BIONDI, p. 9)
A venda das estatais, segundo o
governo, serviria para atrair dólares, reduzindo a dívida do Brasil com o resto
do mundo – e “salvando” o real. E o dinheiro arrecadado com a venda serviria
ainda, segundo o governo, para reduzir também a dívida interna, isto é, aqui
dentro do país, do governo federal e dos estados. Aconteceu o contrário: as
vendas foram um “negócio da China” e o governo “engoliu” dívidas de todos os
tipos das estatais vendidas; isto é, a privatização acabou por aumentar a
dívida interna. Ao mesmo tempo, as empresas multinacionais ou brasileiras que
“compraram” as estatais não usaram capital próprio, dinheiro delas mesmas, mas,
em vez disso, tomaram empréstimos lá fora para fechar os negócios. Assim,
aumentaram a dívida externa do Brasil. É o que se pode demonstrar, na ponta do
lápis, neste “balanço” das privatizações brasileiras, aceleradas a partir do
governo Fernando Henrique Cardoso. (BIONDI, p. 9)
Houve uma intensa campanha contra as estatais nos meios de comunicação,
verdadeira “lavagem cerebral” da população para facilitar as privatizações.
Entre os principais argumentos, apareceu sempre a promessa de que elas trariam
preços mais baixos para o consumidor, “graças à maior eficiência das empresas
privadas”. A promessa era pura enganação. No caso dos serviços telefônicos e de
energia elétrica, o projeto de governo sempre foi fazer exatamente o contrário,
por baixo do pano, ou na surdina. (BIONDI, p. 10)
Mas o importante, que sempre foi
escondido da população, é que, em lugar de assinar contratos que obrigassem a
Light e outros “compradores” a reduzir gradualmente as tarifas – como foi obrigatório
em outros países –, o governo garantiu que eles teriam direito, no mínimo,
a aumentar as tarifas todos os anos, de acordo com a inflação. Isto é, o
governo fez exatamente o contrário do que jornais, revistas e TVs diziam ao
povo brasileiro, que acreditou em suas mentiras o tempo todo. Além dessa
garantia de reajustes anuais de acordo com a inflação, os “compradores” das empresas
de energia podem também aumentar preços se houver algum “imprevisto” – como é o
caso da maxidesvalorização do real ocorrida no começo de 1999… (BIONDI, p. 10)
O governo enganou a sociedade,
também, com o anúncio de rápida melhoria na qualidade dos serviços e a promessa
de punição para os “compradores” das estatais que não atingissem as metas definidas
nos contratos. (BIONDI, p. 11)
Houve períodos em que o governo
evitou reajustes de preços e tarifas de produtos (como o aço) e serviços
fornecidos pelas estatais, na tentativa de reduzir as pressões e controlar as
taxas de inflação. Esses “achatamentos” e “congelamentos” de preços foram os
principais responsáveis por prejuízos ou baixos lucros apresentados por algumas
estatais, que passavam a acumular dívidas ao longo dos anos – sofrendo então
nova “sangria” de recursos, representada pelos juros que tinham de pagar sobre
essas dívidas. Certo ou errado, as estatais foram usadas como arma contra a
inflação por governos que achavam que o combate à carestia era a principal prioridade
do país. O mal é que nunca foi suficientemente explicado à população que essa
decisão arruinava as empresas estatais, dando motivo a falsas acusações de
“incompetência” e “sacos sem fundo” contra elas. Quando veio a onda das
privatizações, o governo fez exatamente o contrário. Primeiro, como visto
acima, aumentou os preços (até 300%, no caso do aço) e tarifas (até 500%, repita-se)
cobrados pelas empresas que seriam privatizadas. Mas – o que é espantoso – o
governo fez muito mais: “engoliu”, passou para o Tesouro, dívidas que eram das
estatais, bilhões e bilhões de reais que deveriam ser pagos pelos “compradores”
– mesmo que esse pagamento fosse feito a longo prazo, mediante acordo com os
credores. (BIONDI, p. 13)
pode-se entender que, com essa
política, ficou muito fácil para os “compradores” terem grandes lucros
rapidamente: já no primeiro ano, além das tarifas e preços majorados, além da
folha salarial reduzida, eles se livraram de pagar prestações dessas dívidas,
bem como os juros sobre elas. Receberam as empresas “limpinhas”, prontas para
os lucros. É a essa política que o governo chama de “saneamento das estatais”,
preparatório para a privatização. (BIONDI, p. 13)
Quem se interessar por maiores
detalhes sobre essas operações deve consultar a magnífica reportagem da
jornalista Maria Christina de Carvalho, publicada pela Gazeta Mercantil em
17 de novembro de 1998. (BIONDI, p. 16)
A Vale do Rio Doce foi entregue a
Benjamin Steinbruch com 700 milhões de reais em caixa, segundo noticiário da
época. Ou, mais inacreditável ainda, simplesmente espantoso: a Telesp tinha
nada menos que 1 bilhão (com letra b, mesmo) em caixa ao ser entregue à
espanhola Telefônica, segundo entrevista do diretor da empresa “compradora” à Gazeta
Mercantil
, em janeiro de 1999, logo após a queda do real. Lembrete: a
Telefônica pagou uma entrada de 2,2 bilhões de reais pela Telesp.
Descontando-se o dinheiro em caixa, seu desembolso na verdade foi de apenas 1,2
bilhão. (BIONDI, p. 16)
Mesmo no caso das teles houve
parcelamento, cuidadosamente escondido por todo o noticiário: a entrada era
apenas de 40%, seguida de duas parcelas de 30% cada, a vencerem daí a um e dois
anos, respectivamente. Os comentaristas dos jornais e TVs, ou as reportagens
sobre a venda, repisavam o tempo todo que o governo iria receber 13,5 bilhões
de reais (preço mínimo pedido no leilão), ou “quatro vezes o valor recebido pela
Vale do Rio Doce” (sic). Era mentira. A entrada seria de apenas 5,4 bilhões de
reais, ou 40% daquele valor. E,
quando as teles afinal foram vendidas por 22,2 bilhões de reais, os meios de
comunicação trombetearam o tempo todo que o governo usaria aquela “dinheirama”
para reduzir a dívida… Continuavam a esconder que, na verdade, o governo só
receberia 40% desse valor – 8,8 bilhões de reais. (De fato, receberia menos
ainda, considerando se que o governo financiaria, por meio do BNDES, 50% da
entrada, quando o comprador fosse uma empresa nacional, mesmo que ela fosse
apenas participante de um consórcio). (BIONDI, p. 17)
Mas, neste Brasil em que a mentira campeia solta, as empresas
“compradoras” dizem, e os meios de comunicação repetem, que os problemas
surgidos depois da privatização se devem à “falta de investimentos” no período
em que elas eram do governo. A mesma mentira repetida, também, pelos
“compradores” das empresas paulistas de energia elétrica já privatizadas…
(BIONDI, p. 20)
a privatização inglesa não
representou a doação de empresas estatais, a preços baixos, a poucos grupos
empresariais. Ao contrário: seu objetivo foi exatamente a “pulverização” das
ações, isto é, transformar o maior número possível de cidadãos ingleses em
“donos” de ações, acionistas das empresas privatizadas. Não foi só blablablá,
não. O governo inglês criou “prêmios”, incentivos para qualquer cidadão comprar
ações: quem não as revendesse antes de certo prazo tinha o direito de “ganhar”
determinadas quantias, em datas já marcadas no momento da compra (o sistema se
baseava na distribuição de customer vouchers, espécie de cupons que eram
trocados por dinheiro, nos prazos previstos). Ou ainda: após três anos, os
acionistas que tivessem guardado as ações podiam ganhar também “lotes extras”
dos títulos, geralmente na proporção de 10% sobre o número de ações compradas.
Isto na Inglaterra de Thatcher, nos anos 1980. (BIONDI, p. 20)
Na França, a mesma coisa. Na
privatização parcial das empresas de telecomunicações, em 1998, nada menos de 4
milhões de franceses compraram ações, graças aos atrativos oferecidos pelo governo.
(BIONDI, p. 21)
Sem sombra de dúvida, os meios de comunicação, com seu apoio incondicional
às privatizações, foram um aliado poderoso. Houve a campanha de desmoralização
das estatais e a ladainha do “esgotamento dos recursos do Estado”. Mais ainda:
a sociedade brasileira perdeu completamente a noção – se é que a tinha – de que
as estatais não são empresas de propriedade do “governo”, que pode dispor delas
a seu bel-prazer. Esqueceu-se de que o Estado é mero “gerente” dos bens, do
patrimônio da sociedade, isto é, que as estatais sempre pertenceram a cada
cidadão, portanto a todos os cidadãos, e não ao governo federal ou estadual.
Essa falta de consciência coletiva, reforçada pelos meios de comunicação,
repitase, explica a indiferença com que a opinião pública viu o governo doar
por 10 o que valia 100. Um “negócio da China” que, em sua vida particular,
nenhum trabalhador, empresário, nenhuma família de classe média ou o povão
aceitariam. (BIONDI, p. 21)
centenas e centenas de bilhões de
reais de patrimônio público, isto é, de propriedade dos milhões de brasileiros,
foram “vendidos” dessa forma, sem grandes protestos a não ser nas áreas
sindicais ou oposicionistas – que, por isso mesmo, tiveram seu espaço nos meios
de comunicação devidamente cortado, tornado quase inexistente, nos últimos anos.
(BIONDI, p. 22)
Tudo somado, contas bem feitas
mostrariam que as privatizações não reduziram a dívida e o “rombo” do governo.
Ao contrário, elas contribuíram para aumentá-los. O governo ficou com dívidas –
e sem as fontes de lucros para pagá-las. (BIONDI, p. 24)
O peso das importações do setor
de telecomunicações no “rombo” da balança comercial pode ser avaliado por estes
dados: de 1993 a 1998, as compras da área de telecomunicações no exterior
aumentaram dez vezes, 1.000%, de 280 milhões de dólares para 2,8 bilhões de
dólares, deixando um déficit setorial de 2,5 bilhões de dólares. (BIONDI, p. 26)
Nos próprios leilões, em lugar de
capitais próprios, os “compradores” tomam empréstimos lá fora, e esses
empréstimos são incluídos na dívida externa do país, engrossando também os juros
que o Brasil tem de pagar aos bancos internacionais. (BIONDI, p. 27)
Os prejuízos que o achatamento de
tarifas e preços trouxe para as estatais teve efeitos que o consumidor conhece
bem: nesses períodos, elas ficaram sem dinheiro para investir e ampliar
serviços. Explicam-se, assim, as filas de espera para os telefones, ou as constantes
ameaças de “apagões” no sistema de eletricidade. Ou, dito de outra forma: não é
verdade que os serviços das estatais tenham se deteriorado por “incompetência”.
(BIONDI, p. 30)
Com a privatização, o governo
eliminou – antes mesmo da venda das estatais – os subsídios cruzados nas contas
de telefones e de energia. Por isso mesmo, os aumentos mais violentos de
tarifas ocorreram para as chamadas locais, ficha telefônica etc. Não há mais
tratamento especial para a população mais pobre. Tudo para garantir maiores
lucros aos “compradores”. Tratamento que as estatais não recebiam. (BIONDI, p. 34)
Por que, a despeito do prestígio
internacional, se formou essa imagem negativa aqui dentro? Um dos principais motivos
foram, certamente, as falhas e a deterioração dos serviços de telefonia e
energia elétrica, exatamente aqueles com os quais o público tem contato direto.
Uma deterioração que nada teve a ver com a deficiência tecnológica e, sim, com
as políticas equivocadas de governo, que trouxeram prejuízos e limitações
financeiras às estatais, como visto antes. Mas que foi largamente explorada na
manipulação da opinião pública. (BIONDI, p. 36)
O governo decidiu então criar
cargos de assessores especiais, com salários diferenciados e, para não ser
acusado de estar criando “marajás”, mexeu como sempre os seus pauzinhos.
Entregou a uma revista de circulação nacional tabelas e informações sobre salários
governamentais, comparados com os salários, para as mesmas funções, pagos por
bancos e empresas privadas, com diferenças, para mais, de 100% a 200%. A
revista não teve dúvidas: divulgou o material em página dupla. Mas revista e
governo foram incapazes de reconhecer, para o público, que a existência de marajás
é uma exceção, e que o funcionalismo é, em sua imensa maioria, pessimamente
remunerado. (BIONDI, p. 37)
“Privatização na indústria de
telecomunicações: antecedentes e lições para o caso brasileiro”, de Florinda
Antelo Pastorize, editada pelo BNDES em julho de 1996). (BIONDI, p. 46)
A desmoralização do Banco do
Brasil perante a opinião pública foi uma das “operações de manipulação” mais
maquiavelicamente montadas pelo governo FHC. Em entrevista coletiva, com a
presença de vários ministros, anunciou-se um prejuízo recorde para o Banco do
Brasil, previsto para 6 bilhões de reais somente no primeiro semestre de 1996,
e a necessidade de o governo injetar 8 bilhões de reais no banco, para que ele
se enquadrasse nas normas em vigor em todo o mundo. (BIONDI, p. 48)
Mas a equipe de FHC construiu uma
imagem de “quebra” para o Banespa, para abrir caminho para a privatização. (BIONDI,
p. 51)

Comentários

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *


The reCAPTCHA verification period has expired. Please reload the page.