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“A problemática da indústria retardatária”

CARDOSO DE MELLO, J.M. (1975) O Capitalismo tardio. 11 ed. São Paulo: Editora Unesp; Campinas, SP: FACAMP, 2009. Cap II, item 1 (pp. 78-99)

J.M. Cardoso de Mello defende que, apesar o modo
de produção capitalista se tornar dominante na América Latina, o fato de a
produção ser de caráter exportador não possibilitou a criação de forças
produtivas capitalistas. Por forças produtivas capitalistas o autor entende ser
uma produção determinada por um processo dinâmico de acumulação capitalista,
“um processo de criação de bases materiais para o capitalismo” (p. 80) que
permitam uma independência em relação às barreiras de acumulação existentes
naquela estrutura técnica em que se dará a reprodução desse capital.
Para o autor, é preciso avaliar os dois
determinantes da industrialização da América Latina: o primeiro é o fato de
essas economias serem, num primeiro momento, “exportadoras capitalistas
nacionais” e o segundo é o fato de que elas surgem num momento em que o
capitalismo internacional já estar em sua fase monopolistas – critérios usados
por Cardoso de Mello para definir a situação da economia da AL como um
capitalismo tardio ou retardatário.
A economia cafeeira cria as condições para a
industrialização por meio da: 1) geração de uma massa de capital monetário
concentrada nas mãos dos oligarcas do café; 2) transformação da força de
trabalho em mercadoria; 3) criação de um mercado interno.
O capital industrial surgiu tanto diretamente do
café quanto das suas atividades indiretas urbanas como o comércio e serviços de
transporte. JMCM alega que o capital industrial não foi uma alternativa em
tempos de crise, mas sim uma forma de escoar o capital cafeeiro em momentos de
auge das exportações.
Existência de trabalhadores livres se dá pela
imigração em massa para o setor cafeeiro.  Além de atrair trabalhadores, o capital
cafeeiro, em momentos de auge, possibilitou a capacidade de importar alimentos,
meios de produção e bens de consumo e capitais para suprirem tanto as
necessidades da mão de obra quanto do capital industrial.
Lucratividade do capital industrial foi
beneficiado pelas baixas taxas de salário devido à abundância de oferta de mão
de obra e pelo alto grau de proteção da produção industrial aliada às isenções
de importação de máquinas e equipamentos. Mesmo com as desvalorizações cambiais
e seus efeitos nas importações, a baixa densidade de capital empregado na
produção de bens leves propiciava retornos compensadores.
Deste cenário só foi possível a criação de
indústria de bens corrente, como a têxtil, devida a sua técnica simples e de
volume de investimento inicial acessível. Como já havia apontado o autor, este
foi um período marcado pelos monopólios. Devido à esta concentração da
tecnologia junto dos avanços da Segunda Revolução Industrial, uma indústria
pesada como a siderurgia estava além da capacidade de investimento do Brasil
tanto por conta da dificuldade de se obter a tecnologia no mercado
internacional quanto pelo alto volume exigido para se ter essa indústria de
larga escala e enormes plantas. Esse cenário mostra como a articulação entre
esses dois capitais, cafeeiro e industrial, se dá por meio de “unidade e
contradição”, ou seja, estimula e impõem limites ao mesmo tempo.
A unidade é compreendida por meio da dependência
entre os dois capitais que se dá tanto pela capacidade de importar criada pelo
mercado do café quanto pela impossibilidade de a indústria de criar seus
próprios mercados. Essa mesma articulação interna mostra de que forma a
indústria brasileira se relaciona com as economias capitalistas dominantes: uma
vez que a produção do café é determinada pela demanda externa, tanto será
também a acumulação do capital industrial por ser dependente dos vazamentos
desse setor exportador.
O período de 1888 e 1933 é declarado por JMCM como
“o momento de nascimento e consolidação do capital industrial” (p. 88). O
desenvolvimento do café gerou condições para o Brasil responder à crise de 1929
por meio da capacidade de expansão da indústria de alimentos e de bens de
consumo assalariado e oferta de mão de obra no mercado de trabalho. Além disso,
as indústrias leves de bens de produção e a agricultura mercantil de
matérias-primas, ao crescerem, tiveram a oportunidade de ir pelo caminho da
reprodução ampliada sem recorrer às importações. Essa estrutura permite novos
avanços frente à restrições maiores de importação entre 1931 a 1937, um período
que possibilitou uma expansão econômica fundada em novas bases.
De 1933 até 1955 há um processo de
“industrialização restringida”. Período em que a indústria tem suas bases, mas
elas não são suficiente para implantar um núcleo da indústria que trabalhe
antes da demanda, ou seja, um setor de base para dar condições às demais
indústrias para se desenvolverem sem depender de importações. Neste cenário, o
capital industrial se liberta do cafeeiro, mas a capacidade de importação
continua sendo um fator limitante. O motivo que explica o caráter restringido
da indústria está na inviabilidade da implantação dessa indústria pesada devido
aos motivos já apresentados anteriormente: tecnologia sofisticada, volume de
capital para investimento e gigantescas economias de escala. A condição
brasileira elevava o risco de investimento externo no Brasil. As exigências
recaem, então, sobre o Estado, como proteção contra importações, impedimento do
poder de barganha dos trabalhadores e realização investimento em
infraestrutura.
Sem mudanças até então, entre 1956 e 1961 o Brasil
registrou uma “onda de inovações” com a alteração radical do sistema produtivo
dado por um salto tecnológico. É nessa época que há a instalação autônoma, ou
seja, que não é induzida pela demanda, de setores de bens de produção e de bens
de consumo para capitalistas, os setores D1 e D2 de Marx, respectivamente,
junto de investimentos públicos na infraestrutura. Esse desenvolvimento se deu
graças a estruturação da base material durante a fase de industrialização
restringida e também graças ao apoio do Estado e dos novos capitais estrangeiros
que entravam no país que permitiam a entrada de grandes empresas oligopólicas
do exterior. Essa industrialização pesada incentivou o capital industrial
nacional e estimulou o crescimento e modernização das pequenas e médias
empresas nacionais.
O ciclo de expansão de sete anos até 1961 é
seguido por uma depressão que dura entre 1962 a 1967 causada  por queda na taxa de crescimento, deflação
generalizada dos preços e salários – uma vez que os lucros brutos crescentes
não eram transferidos a eles –, provocados pelo caráter oligopolizador desses
mercados industriais e pelo alto investimento público.

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